Homilia nas Exéquias do Padre João Paulo Ramos
Seminário de Santa Joana, 30 de Agosto de 2011
1.Saudei-vos, irmãos e irmãs, no início desta celebração com as palavras de S. Paulo na segunda Carta aos Coríntios: «A graça de Nosso Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus Pai e a comunhão do Espírito Santo estejam com todos». Esta palavra de saudação e de comunhão na fé, no amor e na esperança cristã tem mais sentido, dita hoje e aqui.
A morte é um momento doloroso, inesperado e marcante da nossa travessia no tempo a caminho da eternidade. Esta travessia em jeito de mais ou menos longa peregrinação fazemo-la a caminho de Deus, Pai, Filho e Espírito Santo. De Deus recebemos a vida. Cristo, o Filho de Deus, precedeu-nos nesta peregrinação, venceu a morte e restituiu-nos a vida, e o Espírito de Deus anima-nos neste caminhar da santidade, rumo à morada definitiva no amor eterno de Deus.
A morte reconduz-nos à terra do nosso berço e lembra-nos que todos nós somos pó frágil mas amado por Deus, plasmado pelo seu amor, animado pelo seu sopro de vida, capaz de reconhecer a sua voz e de lhe responder: «nas tuas mãos entrego o meu espírito, Senhor».
Este momento de celebração é tempo para proclamarmos a vitória de Cristo sobre a morte e para desde o seu início cantarmos o cântico da vida e o hino da ressurreição que na Páscoa ecoaram no coração do universo e fazem vibrar os nossos corações.
A nossa fé cristã, que assim firma os nossos passos de peregrinos, conduz-nos ao realismo da sabedoria diante do mistério da existência, ilumina com a Palavra de Deus a experiência humana, ajuda-nos a acolher e a viver a novidade inesperada que a fé nos traz, ao dizer-nos que a morte será definitivamente vencida. Todas as nossas vidas correm para este maravilhoso rio da fé e para este imenso oceano da vida que a Páscoa de Cristo nos trouxe.
O Senhor Jesus quis livremente partilhar com cada homem o destino da fragilidade, em particular através da sua morte na cruz; mas esta morte repleta do seu amor pelo Pai foi o caminho da ressurreição e trouxe-nos a certeza da vida.
2. Hoje, reunimo-nos nesta Igreja do Seminário de Aveiro para celebrar o mistério da vida e a certeza da bem-aventurança, agradecendo a vida deste Irmão sacerdote, Padre João Paulo da Graça Ramos.
Ilumina-nos igualmente a Palavra de Deus: com Isaías proclamamos que em Deus a morte foi destruída para sempre. O Senhor retirou o véu que cobria os nossos olhos, enxugou as nossas lágrimas e preparou-nos o banquete da vida. Deu-nos a salvação. Ele é o nosso Deus; é o Senhor em quem pusemos a nossa confiança.
Como S. Paulo na Carta aos Romanos também nós acreditamos que «todos nós fomos baptizados em Jesus Cristo e acreditamos que também com Ele viveremos». Aquele que ressuscitou Jesus dos mortos nos há-de ressuscitar a nós, também. O nosso olhar ergue-se, assim, para o horizonte das coisas invisíveis.
Esse horizonte é o Reino das Bem-aventuranças de que nos fala o Evangelho. Dizia Séneca, o filósofo romano, que «uma vida bem-aventurada não é coisa muito simples». Faz-nos bem, por isso, ouvir este texto de Jesus. Ele foi dito por Jesus para que o ouvíssemos, para que o proclamássemos, para que o vivêssemos e para que tornemos simples aquilo que humanamente parece difícil.
3. Encontramos neste texto do Evangelho a síntese da vida deste nosso Irmão e a identidade espelhada no rosto do seu testemunho sacerdotal. O Padre João Paulo nasceu em Ílhavo a 11 de Agosto de 1925. Frequentou os Seminários da Figueira da Foz e Coimbra antes de 1938, e nos Seminários de Aveiro e dos Olivais, após a restauração da Diocese. Foi ordenado sacerdote no dia 21 de Fevereiro de 1948.
Sessenta e três anos de vida sacerdotal foram para o Padre João Paulo uma longa vida dada à Igreja de Aveiro sempre na vanguarda da missão, como protagonista de novos métodos de evangelização e pioneiro de caminhos inovadores no serviço da causa de Jesus. Foi Secretário do primeiro Bispo Diocesano e mais tarde Secretário do senhor D. Júlio, o primeiro bispo nascido do nosso presbitério diocesano. Foi Professor do Seminário de Santa Joana Princesa, do Liceu de Aveiro e do Magistério Primário e Assistente diocesano da Acção Católica. Trabalhou no Movimento do Mundo Melhor e durante vários anos foi Vigário Paroquial da Paróquia da Glória. Vemo-lo, desde há muito e até ao fim, Capelão das Cooperadoras da Família, da Santa Casa da Misericórdia de Aveiro e do Santuário de Nossa Senhora de Schoënstatt.
Todos lhe conhecíamos o seu ardor pela pregação do Evangelho e o seu gosto de acolher e trazer para a Diocese novos movimentos apostólicos que o tempo consolidou e desenvolveu, como o são os Cursillos de Cristandade, as Equipas de Nossa Senhora ou o Movimento mariano de Schoënstatt, que tanto lhe devem.
Admirávamos a sua extrema delicadeza com todos, a sua proximidade e afecto com as Famílias que acompanhava espiritualmente, com os idosos do Lar da Misericórdia ou com os peregrinos do Santuário.
Passou discreto pelos caminhos do tempo, sem ruído nem alvoroço. Exigente consigo mesmo era acolhedor e compreensivo com os outros, e foi moldando nas consciências formas cristãs de ser e de viver, como bom conselheiro de tantas pessoas e presença necessária em tantas famílias, sempre atento a todas as situações e disponível para todas as ajudas nele procuradas. O Padre João Paulo entendia o ministério sacerdotal como um dom que repartia e multiplicava abundantemente por todos nós.
Era um homem quase sem família de sangue como tantas vezes nos acontece aos filhos sem irmãos, mas que tantas famílias sentiam como se da sua própria família ele fosse, e talvez por isso também vi-o ontem chorado por alunos, amigos e famílias inteiras e sei que a todos nos vai fazer muita falta.
4. Partiu ao encontro de Deus no dia do martírio de João Baptista, o percursor de Jesus, homem despojado das honras terrenas, arauto intransigente da verdade e defensor intrépido dos valores da família. Partiu sereno, ao acordar do dia, na hora em que se preparava para celebrar a Eucaristia no Santuário da Mãe. Partiu desta casa do Seminário que ele tanto amava e onde quase sempre vivera desde o seu início, há sessenta anos.
Quero agradecer ao senhor Reitor do Seminário e por ele a todo o Seminário a dedicação fraterna e o aconchego humano que todos sempre lhe deram, sobretudo nestes tempos de saúde mais frágil.
O Padre João Paulo foi ordenado presbítero na pequenina Capela do primeiro Seminário de Aveiro e vai ao encontro de Deus, a partir desta bela Igreja do novo Seminário de Santa Joana. Confiamos-lhe, também, a ele, como o temos feito sempre, o desvelo junto do Mestre pela causa das vocações, para que surjam, na Igreja de Aveiro, nestes tempos novos que vivemos, novos trabalhadores, incansáveis e generosos, para a messe, como ele sempre soube ser. Oxalá esta hora da saudade, que nos magoa o coração, se transforme, dia a dia, em hora de esperança e de oração, pedindo ao Senhor da Messe que envie servidores para a sua Messe.
5. Que Nossa Senhora, Mãe do bom Pastor e Mãe da Igreja, o acolha como Mãe admirável e solícita e o conduza ao Reino da Paz e da Bem-aventurança.
+ António Francisco dos Santos
Bispo de Aveiro
Nota: O nosso muito obrigado ao Secretário do Senhor Bispo de Aveiro, Padre José Carlos Lopes, o facto de nos ter facultado a homilia do Senhor Bispo.
Fami e Paulo
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