quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Papa fala em «nova primavera» do Cristianismo

 
Ontem, segunda-feira, 15 de outubro, após a sessão sinodal, foi apresentado a alguns padres sinodais o filme Bells of Europe [Sinos da Europa], sobre a relação entre o cristianismo, a cultura europeia e o futuro do continente.
O filme apresenta uma série de entrevistas originais exclusivas com as maiores personalidades religiosas cristãs, incluindo o papa Bento XVI, que reproduzimos a seguir:
 
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Santidade, as suas encíclicas propõem uma antropologia forte, um homem habitado pelo amor de Deus, um homem de racionalidade alargada pela experiência da fé, um homem que tem uma responsabilidade social na dinâmica da caridade, recebida e doada dentro da verdade. Justamente nessa dimensão antropológica, em que a mensagem do evangelho exalta todos os elementos dignos da pessoa humana, purificando os resíduos que obscurecem o verdadeiro rosto do homem criado à imagem e semelhança de Deus, Sua Santidade tem dito repetidamente que essa redescoberta da face humana, dos valores do evangelho, das raízes profundas da Europa, é uma fonte de grande esperança para o continente europeu e para os demais continentes. Pode nos explicar as razões da sua esperança?
 
Papa Bento XVI: A primeira razão para a minha esperança é que o desejo de Deus, a busca de Deus, está inscrita profundamente em cada alma humana e não pode desaparecer. É claro que, durante algum tempo, as pessoas podem se esquecer de Deus, deixá-lo de lado, fazer outras coisas, mas Deus nunca desaparece. É simplesmente verdadeiro o que diz Santo Agostinho: que nós, homens, ficamos inquietos até que o nosso coração repouseem Deus. Essa inquietação existe hoje também. É a esperança de que o homem, de novo, inclusive hoje, empreenda o seu caminho rumo a esse Deus.
A segunda razão para a minha esperança é que o evangelho de Jesus Cristo, a fé em Cristo, é simplesmente verdadeira. E a verdade não envelhece. Ela também pode ser esquecida durante um certo tempo, outras coisas podem ser encontradas, ela pode ser deixada num canto, mas a verdade, como tal, não desaparece. As ideologias têm um prazo de vida contado. Parecem fortes, irresistíveis, mas, depois de algum tempo, elas se consomem, não têm mais a força de antes, porque carecem de uma verdade profunda. São partículas da verdade, mas, no fim, acabam se consumindo. Já o evangelho é verdadeiro e, portanto, nunca se desgasta. Em todos os períodos da história aparecem as suas novas dimensões, aparece toda a sua novidade, no ato de responder às necessidades do coração e da razão humana, que pode caminhar nesta verdade e nela se encontrar. E assim, por este motivo, eu estou convencido de que há também uma nova primavera do cristianismo.
Uma terceira razão empírica nós vemos no fato de que essa inquietação, hoje, está presente na juventude. Os jovens já viram tanta coisa, as ofertas das ideologias e do consumismo, mas captam o vazio em tudo isso, captam a sua insuficiência. O homem é criado para o infinito. Todo o finito é pouco demais. E por isso nós vemos que, justo nas gerações mais jovens, esta ansiedade é despertada de novo e eles começam a sua jornada, e acontecem assim novas descobertas da beleza do cristianismo, de um cristianismo que não é de baixo custo, que não é reduzido, mas sim do cristianismo na sua radicalidade e profundidade. Eu penso, portanto, que a antropologia, como tal, nos mostra que sempre haverá novos despertares do cristianismo e que isto é confirmado com uma expressão: fundações profundas. É o cristianismo. É verdadeiro, e a verdade sempre tem futuro.
 

 
Sua Santidade afirmou em várias ocasiões que a Europa teve e ainda tem uma influência cultural sobre todo o gênero humano e que não pode deixar de se sentir particularmente responsável não apenas pelo próprio futuro, mas também pelo futuro de toda a humanidade. Olhando para frente, é possível delinear os contornos do testemunho visível de católicos e cristãos das Igrejas ortodoxas e protestantes, na Europa toda, do Atlântico aos Urais, que, vivendo os valores do evangelho em que eles acreditam, contribuem para a construção de uma Europa mais fiel a Cristo, mais acolhedora, solidária, não somente preservando a herança cultural e espiritual que os distingue, mas também no compromisso de buscar novos caminhos para enfrentar os grandes desafios comuns que marcam a era pós-moderna e multicultural?
 
Papa Bento XVI: Esta é a grande questão. É claro que a Europa ainda tem um grande peso no mundo de hoje, seja econômico, seja cultural e intelectual. E, com esse peso, ela tem uma grande responsabilidade. Mas a Europa, como você mencionou, ainda tem que encontrar a sua plena identidade para ser capaz de falar e de agir de acordo com as suas responsabilidades. O problema, hoje, não é mais, na minha opinião, o das diferenças nacionais. São diversidades que não representam mais divisões, graças a Deus. As nações permanecem, e, na sua diversidade cultural, humana, temperamental, são um tesouro que se completa e que dá à luz uma grande sinfonia de culturas. São, fundamentalmente, uma cultura comum.
O problema da Europa, de encontrar a sua identidade, me parece que está no fato de que temos hoje duas almas na Europa: uma alma é a razão abstrata, anti-histórica, que tenta dominar tudo porque se sente acima de todas as culturas. Uma razão desembocada em si mesma, que pretende se emancipar de todas as tradições e valores culturais em prol de uma racionalidade abstrata. A primeira sentença de Estrasburgo sobre os crucifixos era um exemplo dessa razão abstrata, que quer se livrar de todas as tradições, da própria história. Mas não podemos viver desse jeito. Até porque a própria "razão pura" é condicionada por uma situação histórica específica, e é só neste sentido que ela pode existir.
A outra alma é aquela que podemos chamar de cristã, que se abre a tudo o que é razoável, que criou, ela mesma, a audácia da razão e da liberdade de uma razão crítica, mas permanece ancorada nas raízes que deram origem a esta Europa, que a construíram nos grandes valores, nas grandes intuições, na visão da fé cristã. Como você mencionou, especialmente no diálogo ecumênico entre a igreja católica, ortodoxa, protestante, esta alma tem que encontrar uma expressão comum e, então, se encontrar com esta razão abstrata, isto é, aceitar e manter a liberdade crítica da razão no tocante a tudo o que ela pode fazer e a tudo o que ela já fez, mas praticá-la, concretizá-la no fundamento, na coesão com os grandes valores que o cristianismo nos deu.
Só nesta síntese é que a Europa pode ter o seu peso no diálogo intercultural da humanidade de hoje e de amanhã, porque uma razão que se emancipou de todas as culturas não pode entrar em diálogo intercultural. Só uma razão que tem uma identidade histórica e moral pode conversar com as outras pessoas e procurar uma interculturalidade, em que todos possam entrar e encontrar uma unidade fundamental dos valores capazes de abrir as estradas para o futuro, para um novo humanismo, que deve ser o nosso propósito. E, para nós, este humanismo cresce justamente a partir da grande ideia do homem à imagem e semelhança de Deus.
 
 
 

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